Tu quoque, Pixar? *

É isso mesmo que você acabou de ler: “Até tu, Pixar?”*. A célebre frase proferida por um César em seu momento de descoberta – traído por seu “filho” Brutus – numa situação nunca antes pensada, é a referência para o que venho observando sobre o maior estúdio de animação, em 3D que fique claro, do mundo do cinema.Talvez seja a “Disneyficação” que ela sofre, ao ser comprada de vez pelo estúdio do Mickey. Talvez os compromissos assumidos em outras frentes, como franquias, ganhos com produtos licenciados e a eterna tentativa de tornar cada vez mais real os seus filmes, realizados artificialmente.

Mas que os últimos dois filmes da Pixar foram ruins, perto da sequência que eles haviam “encaixado”, ah são. “Toy Story 3” e “Carros 2” chegam a ser gratuitos, como se estivessem sendo realizados por obrigações contratuais, sabe? Não há aquele capricho em surpreender, algo que a empresa da luminária buscava de forma incansável e que até fez com que os apreciadores de cinema e os críticos criassem a frase símbolo do estúdio: “Eles fazem filmes para crianças que agradam até nós, adultos”.

As histórias, antes originais, como aquela do robozinho que parece humano, largado em um planeta estragado por sua população e que se “descobre” em uma aventura com fundo crítico as questões do meio ambiente e da preguiça que vingam em nossos tempos atuais; ou aquela outra do senhor que ao perder a esposa decide arriscar tudo em uma aventura por terras desconhecidas e que redescobre uma razão para viver, através da amizade; foram deixadas de lado, para que algo comum e até mesmo rotineiro tome conta da tela grande.

Não sei afirmar, agora, se é no DVD de extras de “Procurando Nemo” ou se é no DVD de extras de “Monstros S/A”, mas ali, em algum momento, o líder do estúdio, senhor John Lasseter, comenta que o segredo que ele enxergava por detrás do sucesso de sua “gangue” era o cuidado com a história a ser contada – os roteiros demoravam até três anos para chegarem ao formato final.

Ou seja: a história a ser contada poderia até ser corriqueira, como a de um menino que some e vê seu pai enfrentar um novo mundo para encontrá-lo – como em “Procurando Nemo” – mas se ela fosse contada de uma nova maneira, respeitando a inteligência de quem a assistia, ao ponto de praticamente sequestrar as pessoas para aquele universo, o objetivo estava cumprido.

Aí, depois de filmes excelentes como “Toy Story 2”, “Monstros S/A”, “Procurando Nemo”, “Os Incríveis”, até mesmo o fraco, mas honesto “Carros”, e as duas obras-primas “Wall-e” e “Ratatouille” eles cometem “Toy Story 3” e agora “Carros 2”. O que pensar?

Não sei, mas quem sabe rezar um “Miyazaki que estás no céu” seja um início? Até a próxima.

Texto por Rodrigo Castro

Publicado originalmente em A Sétima e todas as artes

A Sobra do Oscar: “O Mágico

Três filmes concorreram na categoria de melhor filme de animação neste último Oscar. Ganhou o mais fraco deles e por um fator simples: os votantes desta premiação são as pessoas que um dia foram indicadas e as que, obviamente, levaram o prêmio. Assim é lógico que “Toy Story 3” levaria a estatueta dourada, afinal, este é o primeiro filme em computação gráfica a fazer sucesso da companhia e que nunca havia levado nada.
No dia da premiação, fiquei triste por “Como Treinar o Seu Dragão” ter sido ignorado, pois é muito mais filme que o do caubói com o astronauta. Mas após assistir ao excelente “O Mágico” a sensação de que o Oscar realmente é uma premiação dispensável para quem busca um cinema melhor, com boas histórias e técnicas mais apuradas, torna-se presente, como um fato.
“O Mágico” é o segundo filme dirigido pelo francês Sylvain Chomet. Antes ele havia dirigido o já clássico e também ignorado pelo careca durado “As Bicicletas de Belleville” – se você ainda não assistiu veja, é um dos filmes obrigatórios da última década. Ali já havia uma semente do pensar cinema desse diretor: nada de muitas falas – respeitando o clássico pensamento de Chaplin que dizia que o cinema fala pela imagem – cenários grandiosos e que preenchem a tela, com muito movimento, e personagens únicos com características interessantes e muito engraçadas.

Neste filme Sylvain dá um passo a mais em seu olhar. Ao ter adquirido os direitos do último roteiro escrito pelo ator/roteirista/diretor e ícone da comédia francesa Jacques Tati, em que um mágico clássico, com truques marcantes, mas nada modernos encara o desafio da sobrevivência, Chomet mostra simplicidade e até mesmo vanguardismo em um mundo repleto de 3D.
O desafio de preencher a tela com algo que não vai saltar em sua direção ou chamar atenção pelo realismo faz com que “O Mágico” envolva os espectadores com cenas embasbacantes de puro cinema que orgulharia não somente o mestre Tati, como seu inspirador Chaplin. É no jeito de ser, no aspecto de movimento mesmo, que o personagem principal nos ganha.
O arrebatamento final vem com: os personagens que cercam o tal mágico – repare no coelho e principalmente no escocês bêbado – as cenas em formato de sketches – algo bem comum nos grandes comediantes, que juntavam várias situações para montar um filme – a trilha maravilhosa e uma direção de arte minimalista que encanta, desde um homem de 33 anos até seu filho de 03.
Filmão, daqueles que em um passe de mágica enche seus olhos d´água e num abracadabra formam sorrisos inesperados em seus rosto. Nota 9,0.
Obs.: há uma cena emblemática em que o Mágico do filme entra em um cinema e assiste a uma cena do filme mais conhecido de Tati, “Meu Tio”.

Texto por Rodrigo Castro

Publicado originalmente em A Sétima e todas as artes